Tecnologia serve para o resgate econômico e social da população negra

Segundo Nina Silva, CEO e uma das fundadoras do Movimento Black Money, a tecnologia e a revolução 4.0 vão estar mais humanizadas do que realmente compostas por dados e algoritmos, sobre os quais todos devemos estar atentos porque são formados pelo nosso comportamento.

A tecnologia precisa ser usada para uma reparação histórica da população negra, defendeu hoje, em apresentação no SAP NOW 2020, Nina Silva, CEO e uma das fundadoras do Movimento Black Money, hub de inovação que visa à emancipação da comunidade negra brasileira. Nina discorreu sobre sua trajetória de moradora de Jardim Catarina, um bairro favelizado em São Gonçalo (RJ), até se tornar, no início dos anos 2000, uma das primeiras consultoras e gerentes de projetos negras do Brasil.

Hoje, ela é uma das principais lideranças no esforço para reduzir as desigualdades de oportunidades da população negra do País, com premiações na ONU. “Falo dentro de um ambiente muito confortável sobre como precisamos atentar para a diversidade de nossos espaços e principalmente das soluções tecnológicas que estamos colocando, absorvendo e expandindo no mercado”, afirmou Nina.

As mulheres são maioria na polução brasileira, assim como a população de afrodescendentes. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aumentou em 15% a autodeclaração de pessoas pretas e pardas para 56% da população, um total de 119 milhões de habitantes; enquanto as mulheres pretas e pardas somam 28,7% da população. Porém, os pretos e pardos são 77% dos desempregados do País, 67% da população que depende do Sistema Único de Saúde e são as pessoas que, durante a pandemia, continuam expostas em serviços essenciais como caixas de supermercados, segurança de condomínios e trabalho doméstico.

“Esses números apenas comprovam que essas desigualdades, especialmente a racial, não são algo que a pandemia criou e sim um fator histórico de mais de quatro séculos de uma marginalização até mesmo legislada a favor da escravização de afrodescendentes, da não absorção nos sistemas educacional e de saúde e também no estímulo ao encarceramento”, alertou.

Ela diz que ser uma profissional de tecnologia é estar num espaço que dita futuros, mas que muitas vezes não consegue criar novos futuros para as diversas pessoas que podem ser atendidas. A tecnologia existe para atender demandas e deve estar atenta às necessidades de todos os humanos.

“A tecnologia e a revolução 4.0 vão estar mais humanizadas do que realmente compostas por dados e algoritmos, sobre os quais todos devemos estar atentos porque são formados pelo nosso comportamento”, enfatizou. “Quando falamos em inserir as mulheres na tecnologia, o quanto isso chega aos níveis estratégicos e de que forma elas estão ditando comportamentos em variáveis que devem ser definidas a partir de algoritmos?”

Nina citou dados de uma pesquisa que usou tanto algoritmos de uma empresa quanto opiniões de pessoas em um bar para questionar, a partir de comportamentos anteriores, se as pessoas analisadas seriam reincidentes criminais. Em 45% dos casos em que os algoritmos determinaram que as pessoas negras analisadas cometeriam novamente um crime, os algoritmos erraram.

“Isso quer dizer os algoritmos acabam reproduzindo nossos preconceitos. Fala-se muito em vieses inconscientes de pessoas, mas quando se trata de um viés de uma matemática desenhada e uma lógica fechada, como são os algoritmos, esses vieses precisam ter uma correção, caso contrário, haverá um fosso ainda maior da desigualdade já existente”, narrou Nina. “Se apenas automatizamos, e essa automação é escalada a ponto de não ser alcançada pela mente humana, precisamos ter pessoas e processos que nos resguardem desses preconceitos serem alavancados”, sublinhou.

A CEO do Movimento Black Money destacou que há apenas 16% de mulheres CEOs no Brasil e, sem as herdeiras, o percentual cai para 8%. Pessoas negras em conselhos de administração são apenas 4%, das quais somente 0,4% são mulheres negras. Saindo do nível estratégico para aquele onde as soluções são desenvolvidas, se são pessoas que não estão nos grupos marginalizados e não têm empatia, os preconceitos permanecem nos bancos de dados.

Ela alertou que os algoritmos não são usados apenas para explorar hábitos de consumo, mas também regulam as oportunidades. Se alguém coloca uma vaga em uma rede social, atinge apenas as pessoas com quem se relaciona. “Se eu for lidar apenas com essas conexões primárias e secundárias, a oportunidade de emprego não vai chegar às pessoas que circundam o meu ambiente corporativo ou pessoal. Se eu não fizer um trabalho intencional, é possível que eu provoque o mesmo processo de não absorção e inclusão da sociedade brasileira”, advertiu Nina.

“É importante também auxiliar afroempreendimentos, porque neste período de pandemia 85% pararam de vender. Tivemos de criar um fundo emergencial para que a economia preta do País não parasse. Se paralisamos os micro e nanos negócios, paramos uma grande parcela do PIB brasileiro”, concluiu.